2º dia – Do Lago Rosa à histórica Ilha de Gorée: explorando os contrastes de Dakar
Após um café da manhã simples no hotel, começamos o dia com Mika e Samba, nosso guia e motorista, que nos levou ao Lac Rose. Famoso por suas águas de coloração rosada, causadas por algas que produzem pigmentos em condições específicas de luz e salinidade, o lago também é conhecido por ter sido o ponto de chegada do famoso Rally Paris-Dakar. Embora não tivéssemos muita sorte com a tonalidade rosa das águas naquele dia, a visita foi fascinante.
Em seguida, nos dirigimos ao porto de Dakar para pegar o ferry rumo à Ilha de Gorée, onde aproveitamos para almoçar e explorar esta ilha histórica, cheia de significado e memórias do passado.
Lago Rosa (Lago Retba)
Distância: 40 km (do distrito de Dakar-Plateau). Duração: 1 hora e 45 minutos.
Este lago é famoso por sua incomum coloração rosa, que chama a atenção de todos os visitantes. Separado do Oceano Atlântico apenas por algumas dunas, o Lac Rose possui um teor de sal extremamente elevado, comparável ao do Mar Morto, e que, durante a estação seca, pode até excedê-lo.
A cor rosa característica do lago deve-se à presença da bactéria Dunaliella salina, atraída pelo alto teor de sal. Essa bactéria produz um pigmento vermelho para absorver a luz solar, dando ao lago a sua tonalidade única. Contudo, essa coloração é mais evidente durante a estação seca (de novembro a junho), enquanto na estação chuvosa (de julho a outubro), a intensidade do rosa diminui.
Devido à sua alta salinidade, poucos organismos conseguem sobreviver no Lac Rose. Isso faz do lago um local essencialmente voltado ao turismo e à produção de sal. É comum avistar os moradores locais trabalhando na extração de sal diretamente do fundo do lago. Essa tarefa é realizada manualmente: o sal é recolhido em cestos e levado até a costa, onde é empilhado em grandes montes e, posteriormente, usado principalmente na conservação de peixes. Para proteger a pele do alto teor de sal, os trabalhadores costumam usar manteiga de karité, extraída da nogueira-de-karité.
O Lac Rose cobre uma área de apenas 3 quilômetros quadrados e não há cidades desenvolvidas ao longo de suas margens. Apesar disso, sua fama é mundial, sendo o antigo ponto final do lendário Rally Paris-Dakar, antes de a competição se mudar.
Apesar da expectativa de encontrar as famosas águas cor-de-rosa do Lac Rose, infelizmente não tivemos sorte durante nossa visita: o lago não apresentava sua tonalidade característica naquele dia. Além disso, o forte vento tornou impossível realizar o passeio de barco que havíamos planejado. Porém, nem tudo foi perdido! Tivemos a oportunidade de observar algumas pessoas trabalhando na extração de sal, um dos marcos tradicionais da região.
Para compensar, decidimos aproveitar a ocasião de outra forma: fizemos um passeio de quadriciclo pelas dunas que separam o lago da praia e, em seguida, seguimos pela própria praia. A aventura, com duração de aproximadamente meia hora, foi uma experiência incrível e cheia de emoção. Enquanto acelerávamos pelas paisagens deslumbrantes, era impossível não lembrar do icônico Rally Paris-Dakar. Uma experiência inesquecível que trouxe um toque de adrenalina ao nosso dia!
Ilha de Gorée
Distância: 40 km (até o Porto de Dakar). Duração: 1 hora e 30 minutos.
Após o emocionante passeio no Lac Rose, seguimos rumo ao porto de Dakar para embarcar no ferry com destino à histórica Ilha de Gorée, um dos pontos altos da nossa viagem ao Senegal. A travessia foi tranquila, com duração de cerca de 30 minutos, até que avistamos essa pequena ilha repleta de histórias marcantes.
Entre os séculos XV e XIX, Gorée foi o maior centro de comércio de escravos da costa africana. Ao longo de sua história, esteve sob domínio de diferentes potências coloniais — portugueses, holandeses, ingleses e franceses — que moldaram sua arquitetura singular. A ilha é marcada pelo contraste chocante entre as senzalas sombrias, onde os escravos eram confinados, e as elegantes casas dos mercadores de escravos.
Com apenas 28 hectares e localizada a 3,5 km da costa de Dakar, Gorée desempenhou um papel central no comércio transatlântico de escravos, graças à sua posição estratégica entre o Norte e o Sul e ao seu porto natural, conhecido como “Good Rade” (bom ancoradouro, em holandês). A partir do século XV, foi disputada por várias nações europeias que a transformaram em um ponto de escala e mercado de escravos. Durante esse período, a ilha abrigava mais de dez escravarias, que serviam como ponto de trânsito para aqueles que seriam enviados ao outro lado do Atlântico.
Hoje, a Ilha de Gorée é um local de peregrinação para a diáspora africana, um símbolo de memória coletiva e uma plataforma de diálogo entre culturas. A ilha representa não apenas o sofrimento e a dor de um passado cruel, mas também os ideais de perdão, reconciliação e conexão entre o Ocidente e a África. Caminhar por suas ruas estreitas e contemplar sua história é, ao mesmo tempo, um convite à reflexão e um tributo à resistência e à memória dos povos que por ali passaram.
Casa dos Escravos: um memorial ao sofrimento e à resistência
A Maison des Esclaves, ou Casa dos Escravos, é um dos locais mais emblemáticos e comoventes da Ilha de Gorée, carregando as memórias de um período sombrio da história da humanidade. Este edifício é considerado a última escravaria da ilha, datando de 1776, construída durante o domínio francês. No entanto, o primeiro mercado de escravos foi estabelecido em Gorée em 1536, pelos portugueses, que chegaram à ilha em 1444.
No andar térreo da casa, encontram-se as celas onde os escravos eram confinados antes de serem enviados para o outro lado do Atlântico. Essas celas eram categorizadas de acordo com o perfil dos escravos: homens, crianças, mulheres, meninas, ou até mesmo escravos temporariamente incapazes de serem transportados. Cada cela, com dimensões de apenas 2,60 m por 2,60 m, acomodava entre 15 a 20 pessoas, que permaneciam sentadas, acorrentadas ao pescoço e aos braços, em condições insalubres e desumanas. Os prisioneiros eram libertados apenas uma vez ao dia para atender às suas necessidades básicas, enfrentando uma espera que podia durar até três meses até o embarque.
A Porta da Jornada Sem Volta, localizada no final do corredor central da casa, se abre para o oceano. Este foi o último vislumbre de sua terra natal para muitos dos escravos, antes de embarcarem em uma viagem de sofrimento e incertezas rumo ao Novo Mundo. A separação de famílias era uma prática comum e cruel: um pai poderia ser enviado para a Louisiana, nos Estados Unidos; a mãe, para o Brasil ou Cuba; e os filhos, para o Haiti ou outras partes das Índias Ocidentais.
Estima-se que entre 150 a 200 escravos ocupavam esta pequena casa ao mesmo tempo, aguardando sua partida. As condições eram extremas, e muitos não sobreviveram nem mesmo à travessia marítima. Aqueles que partiram eram identificados apenas por números de registro, perdendo seus nomes e suas identidades africanas no processo.
Hoje, a Maison des Esclaves é um lugar de memória e reflexão, visitado por milhões de pessoas de todo o mundo. Este espaço não é apenas um lembrete do sofrimento, mas também uma homenagem à resiliência dos povos africanos, um marco histórico que nos convoca a nunca esquecer os horrores do passado.
O Castel: fortificações históricas de Gorée
No extremo sul da Ilha de Gorée, o Castelo foi uma posição estratégica crucial durante diferentes períodos históricos e hoje é um local que oferece vistas deslumbrantes do continente africano. Este marco relembra os tempos em que a ilha desempenhou um papel vital na defesa costeira e no controle marítimo.
Voltado para o oeste, encontra-se o Forte Saint-Michel, uma fortificação construída pelos franceses em 1892. Em 1907, foi instalado no local um telêmetro, um dispositivo usado para medir a distância de embarcações inimigas e ajustar a mira dos canhões com precisão.
De um lado do forte, um canhão de longo alcance, com capacidade de atingir alvos a até 14 km de distância, foi instalado e teve um papel importante durante a Segunda Guerra Mundial. Em 23 de setembro de 1940, a França de Vichy utilizou este armamento para afundar um navio inglês, durante a Batalha de Dakar, reforçando a importância estratégica de Gorée naquele contexto.
Igreja Saint-Charles-Borromée: símbolo de fé e perseverança
A Igreja Saint-Charles-Borromée é um marco histórico que simboliza a fé e a resiliência dos habitantes locais. Após a destruição da antiga igreja por soldados na noite de Natal de 1799, durante a reconquista da ilha pelos ingleses, os católicos de Gorée ficaram sem um local de culto por décadas.
Foi apenas em 1830 que a nova igreja foi concluída, graças ao financiamento dos signares de Gorée, mulheres africanas ou mestiças que desempenhavam um papel econômico e social significativo na ilha, muitas vezes atuando como comerciantes e mediadoras culturais.
Praça do Governo: o coração histórico da Ilha de Gorée
A Place du Gouvernement é um espaço que reflete a rica história e a importância estratégica desse pequeno pedaço de terra no passado colonial africano. Situada no centro da ilha, a praça já foi o epicentro da administração colonial francesa na região.
Circundada por edifícios históricos, como a antiga Casa do Governador, que testemunhou decisões cruciais durante o período do tráfico de escravos e da ocupação europeia, a praça é hoje um local de encontro. Embora a Casa do Governador não esteja mais em sua forma original, as construções que a rodeiam evocam o passado de Gorée.
A praça é arborizada, com bancos para descanso, e oferece uma vista privilegiada da ilha e do oceano ao redor. Atualmente, a Place du Gouvernement é um local popular para passeios, eventos culturais e momentos de reflexão, sendo um símbolo do legado histórico da ilha.
Praça da Europa: memórias e história na Ilha de Gorée
A Place de l’Europe é um espaço emblemático que celebra o diálogo e a reconciliação entre culturas e continentes. Aqui encontra-se a Statue de la Libération de l’Esclavage (Estátua da Libertação da Escravidão), um marco que presta homenagem às vítimas do tráfico de escravos e celebra a liberdade. A estátua é uma representação poderosa de um homem e uma mulher rompendo correntes, simbolizando o fim do sofrimento e o triunfo da humanidade.
O Fort d’Estrées, por sua vez, é uma antiga fortaleza construída no século XIX pelos franceses, que teve múltiplos usos ao longo do tempo, incluindo a defesa da ilha e como prisão. Hoje, o forte abriga o Museu Histórico do Senegal, que conta a história do país desde os tempos pré-coloniais até a independência.
Esplanada dos Direitos Humanos: lugar de reflexão e memória
A Esplanade des Droits de l’Homme é um espaço simbólico que homenageia a luta pelos direitos humanos e a memória das vítimas do tráfico de escravos. Com uma vista panorâmica do Oceano Atlântico, a esplanada é decorada com placas comemorativas e mensagens que exaltam os valores universais de liberdade, igualdade e dignidade humana. É frequentemente palco de cerimônias e eventos que promovem a paz, a reconciliação e os direitos humanos, reforçando o papel de Gorée como símbolo mundial da resistência e da memória coletiva.
Com a visita à histórica Ilha de Gorée finalizada, chegou o momento de retornar ao hotel em Dakar para descansar e recuperar as energias. Após um dia repleto de aprendizados e reflexões, a pausa foi mais do que merecida. Amanhã, nossa jornada continua, desta vez explorando novos destinos fora da capital senegalesa.
Conheça o resto de nossa aventura no Senegal nos links abaixo: